agora (depois)

Em seu terceiro livro, Thássio Ferreira desnovela a linha do tempo de uma história de amor, de trás para frente, em 52 poemas organizados em duas partes: um “agora (depois)” instalado com a separação; e o “agora” anterior, do início do relacionamento até sua crise. Dividindo esses dois tempos, um retrato em prosa do momento fatal em que o barco se desamarra do cais.

Em seu terceiro livro, Thássio Ferreira desnovela a linha do tempo de uma história de amor, de trás para frente, em 52 poemas organizados em duas partes: um “agora (depois)” instalado com a separação; e o “agora” anterior, do início do relacionamento até sua crise. Dividindo esses dois tempos, um retrato em prosa do momento fatal em que o barco se desamarra do cais.

Entre referências que remetem a Caio Fernando Abreu, Herbert Vianna, Drummond, O Mágico de Oz, Marvin Gaye, Jards Macalé, Tulipa Ruiz, Clarice Lispector e Peninha, o poeta “canta como quem parisse espinhos, sem meias palavras. E, assim, brinda-nos com textos de forte riqueza imagética. Como se o leitor não tivesse nas mãos um livro, mas uma tela sobre a qual são projetadas cenas reais, tamanho o despudor do que é narrado/cantado”, segundo orelha do poeta e jornalista Christovam de Chevalier.

O livro pode ser adquirido autografado diretamente com o autor, pelo email thassioescritor@gmail.com, ou no site da Editora Autografia.

 

* poemas escolhidos *

 

retrato

tu: ainda tão novo

já lâmina aguçada

(cega também: ao tempo

que vem depois do talho)

prenhe de tanta dor

que dentro de teus dedos

borbulha e se condensa

ávida por tornar-se

: enchente

 

 

agora (depois)

a casa está limpa dos teus sinais.

a playlist de canções tristes

com alguns saltos e muitos repeats

está zerada.

a conta conjunta está extinta

e a do gás voltará ao meu nome

mês que vem.

guardei três ou duas

camisas tuas

para mim

— gosto delas.

nossos retratos e os presentes

que me deste

estão no fundo do fundo

do armário

— alguns eu deitei fora

ou doei, porque doíam

mais ainda depois

que vi os presentes

que te dei e pedi

para levares contigo

jogados atrás do sofá

(farpa a mais na carne

desses dias).

teu travesseiro levaste.

teu riso levaste.

teu desamor também.

agora, só memória.

 

 

versículo

lavar de si a dor

depois de aprender

seu evangelho

 

 

a casa limpa

a casa, mesmo limpa

da tua voz, de teus sinais

guarda inda teu silêncio

que não consigo limpar

dos cantos

das frestas

do risco

no chão de taco

 

habito sozinho

um silêncio

que não é o meu

 

é difícil

respirar aqui

no teu silêncio

 

talvez eu adote um cão

 

 

o amor cumprindo-se

o amor foi-se lavando nos banhos

foi-se perdendo nas células mortas

que deixávamos no sofá, nas roupas

na cama.

foi sendo varrido nas pontas dos cabelos

que eram apenas raízes quando

tudo era luz.

 

o amor vivia tão à flor da pele

de nossos corpos descuidados

que era muito fácil perdê-lo

na escovação dos dentes

nas unhas aparadas

impregnadas do amor

que arranhávamos um do outro

no esperma derramado.

 

o amor existia

coisa viva

cumprindo a sina

de tudo que é vivo:

 

morrer um dia.

 

 

loucurâncias

loucurávamos porque precisávamos

(não sabes tu — quem se indaga agora —

que o correr do existir

que pelo tempo adentro

vai destemendo-se e extinguindo-se

cria estranhas necessidades?)

 

éramos em grito, porque preciso

despertando sonhares

adormecidos

no peito das noites

nos solares piscares

de existirmos

assim tão vivos

 

papo

um papo à beira-noite

ele e eu

 

(à beira do amor

feito já fosse)

 

: você é sinestésico

eu sou caleidoscópico