Itinerários

Itinerários, de Thássio Ferreira, vencedor do I Concurso Literário Editora UFPR, em sua linguagem agradável, técnica refinada no uso de rimas internas e externas, ritmos cadenciados, ecos verbais e temáticos, bem como suas aliterações e assonâncias sutis, promovem uma poesia impactante que envolve e encanta.

Itinerários, vencedor do I Concurso Literário Editora UFPR, em sua linguagem agradável, técnica refinada no uso de rimas internas e externas, ritmos cadenciados, ecos verbais e temáticos, bem como suas aliterações e assonâncias sutis, promovem uma poesia impactante que envolve e encanta. A série de “Cartas ao Pai” destaca-se pela forma singela e emotiva com que estabelece um diálogo aparentemente unilateral e profundo, enquanto seu “teste psicotecnipoético” parece brincar de homenagear Manoel de Barros, ao mesmo tempo em que busca uma voz poética própria e inovadora. Segundo livro de Ferreira, estes seus Itinerários são um presente para o público, que vê se fortalecer a carreira de um nome que, esperamos, tem tudo para tornar-se cada vez mais conhecido e apreciado.

(Rodrigo Tadeu Gonçalves. Poeta, doutor em Letras pela UFPR e professor-associado de Língua e Literatura Latina na mesma Universidade, diretor da Editora UFPR).

 

Itinerários organizados numa espécie de trívio, encruzilhada de três vias para se perder, errar a esmo, a três por quatro, como alguém que afirma se medo: “quero a loucura”. Nessa estrada que vai do nada ao nada, onde o que mais importa é desandar, fica muito claro como  “as  margens dos  caminhos / são mais seguros passos / que os caminhos mesmos”. Porque muita coisa aqui se encontra: ribeirinhos, índios, plantas, bichos, pais e filhos, dilemas da linguagem, metapoesia como sistema de pensamento, amor e delírio, mas tudo em constante hesitação (e sinto que Thássio não hesitaria em grafar hesitância). Ele bem compreende: “só o poema /sabe, mas não / me diz”.

(Guilherme Gontijo Flores. Poeta e tradutor, doutor em Letras pela USP e professor de Língua e Literatura Latina na UFPR, editor do portal de literatura Escamandro. Ganhador do Jabuti na categoria tradução e indicado em 2019 na categoria poesia).

 

A poesia de Thássio Ferreira traça itinerários instigantes, aponta caminhos, desdobra-se em veredas, compõe paisagens… por vezes, estradas a céu aberto… em outras, labirintos da alma emoldurados pelo tempo e pelo silêncio. São itinerários onde muitos de nós, seus leitores e leitoras, nos encontramos, nos contemplamos, nos espantamos, e, por fim, tomamos fôlego (e um gole a mais de coragem) para prosseguirmos nossos descaminhos.

(Hélen Queiroz. Poeta, doutora em Educação pela UFRJ e pesquisadora na área de linguagem e literatura do LEDUC – Laboratório de Estudos de Linguagem, Leitura, Escrita e Educação – UFRJ)

 

O livro pode ser adquirido em versão física ou baixado gratuitamente em pdf no site da Editora UFPR. Para adquirir exemplares autografados, contactar diretamente o autor pelo email thassioescritor@gmail.com.

 

* poemas escolhidos *

 

a distância

 

é de um silêncio pedra

queimando as vozes do não-dito

a distância toda reta

dançando desvios

entre o poema que se começa

e o que pulsa escrito

 

 

línguas

eu você

os homens brancos das academias de belas letras

de ciências

dos institutos tecnológicos

e cadeiras de antropologia

linguística e etimologia

 

perguntamos

 

ao caboclo à maninha

zezinho txai huni kuin juruna

(todos que misturo sem confundir

mas que não qualifico porque

não devo não posso

não me cabe)

 

se uacari, que denomina

um certo macaco de cara vermelha

significa “algo”

e o primo entreabre os lábios

olhando-me comprido

com a cara inclinada:

 

significa este macaco de cara vermelha, ora

por acaso macaco significa algo

que não macaco?

chimpanzé orangotango mico sagui

que importa a origem dos nomes

quando servem a nomear

as coisas que há?

 

mania nossa, homens exóticos ao puro chão

de achar que sob o mesmo céu

e mesmas sístoles diástoles sístoles

que pulsam em todo coração

os irmãos que chamam uacari

aos macacos de cara vermelha

querem dizer sempre em cada coisa

(em cada grão)

algo mais do que macaco do que rio do que feijão

quando dão nomes às coisas

 

como se japurá não pudesse

ser tijolo chinelo óculos

kiawik músico tõ’õramū

(lê-se e fala-se tonramã

isso eu sei e é isso mesmo)

como se os nomes que os outros dão

não pudessem como os nossos

ser apenas os nomes mesmo

uacari macaco porto

arigó banzeiro urami

dia santo

colibri

perdão

 

noite no negro

basta uma noite no negro
para se descobrir
como se descobre um abismo
apenas quando nele se mergulha
que se pode sair do rio
mas o rio nunca sai de si

 

drosera roraimae

nascer da pedra

e da pedra florir.

do quando a pedra queima

aconchegar-se em calor de mãe

colo de sol

carinho da luz.

e quando se molha a rocha

lamber sua fria pele dura

feito fosse maná

trazido nos lábios da chuva

 

resistir

na pedra

à pedra

em si

 

e do eco de seus nãos

extrair

de cada grão mineral

cada rebate do vento

o sorrir

o porvir

o seguir

 

da greta da pedra

(hiato de lâminas)

árida

mesmo se

úmida

mais que brotar

mais que surgir

mais que vingar

a flor se abisma

 

todo existir

é vencer a pedra

em precipício

 

por que

sou poeta porque não sei
porque me abismo
porque invento

talvez porque não me enfrente
–- mas há poetas que se enfrentam!
rente a dente sempre a sempre –-
preferindo desentortar
espelhos e engrenagens
com que viver enfrenta a gente

sou poeta porque quero
gosto
e não desconsigo

sou poeta porque a água é clara
porque existe sol
porque faz frio
porque dor palavra distração
por força da gravidade
por medo e mandamentos da morte
porque é preciso

 

de cada manhã

de cada manhã
extrair seu poema
como os céus
com seus braços infindos
extraem da grávida madrugada
o sol de cada dia
como algo que nasce
quando a hora é chegada

 

sem título I

quando a dor te salgar os dias

com suas mãos de relógio e pedra

disfarçando gestos de surdez

 

senta à beira do poema

faz da palavra tua sombra

salga a dor na própria dor

e canta (mesmo que não

te escutem nenhumas mãos)