DESNUDAMENTO
Eis assim, vestido todo do que sou,
vestido de mim, que vou
a um desnudamento.
Desprotegido do que minto,
desarmado do que acuso,
enxuto e contrito
do que cantei e calei
em farsa, em falsete, em farisaísmo,
e com o que — turvo e estranho fluido
todo espinhos, embora líquido —
eu cobria meu corpo e meu espírito.
Eis então, vestido apenas do eu
que é
(cada um o seu),
que rumo a uma dissecação.
A pele ao rés da carne,
a voz ao rés da alma,
gestos ao rés do coração,
sem o que não me faz parte,
mas apenas boa impressão;
como uma palma
que, sem disfarce,
a vida inteira expõe na mão.
Eis-me, pois, completa e unicamente
vestido desta existência que me queima,
a me entregar ao sol do mundo.
Do que em mim não é verdade,
limpo;
do que em mim é sujidade,
sujo;
pleno da invenção
de ser.
BALDIO
Dentro do meu peito,
um pouco do lado esquerdo,
perto do pulmão,
há um terreno baldio,
onde esteve o coração.
Primeiro, templo vazio,
feito casa velha, abandonada.
Empoeirou-se — tão ampla, de quatro cômodos —
e o abandono, a falta de cuidado,
as chuvas dos sábados
fizeram-na desmanchar-se de vez.
Hoje, cresce mato
áspero, danoso, sem cor,
ali naquele espaço
onde ardia meu amor.
PERSCRUTAÇÃO DE POETA
Em que pensa
enquanto mente
um poeta?
Que loucuras
elucubra
nos recessos
sem lua
de seu pensamento?
Que desejos sem freios
e que palavras sem dono
sem voz e sem nome
inventa?
Que poemas tão
mais intensos não
esconde?
(Que lamentos?)
— Poemas do livro (DES)NU(DO) publicados com editoria de Rodrigo Novaes de Almeida na Revista Gueto.