... porque talvez seja ainda mais interessante ofertar as próprias entranhas dos poemas, ainda necessitados de tantas reescritas...: # dentro do medo o fogo carburado na balbúrdia de um silêncio quando incompreensões se desconfiam e tentam se alcançar uma voz que diz o quê dentro da noite e do dia rasgando chamas em lâmina chamando sonhos à luz nem que seja da lua se todo amor é impossível ainda assim dá pra fazer muito com os destroços — diz-me o fogo desatento talvez disto também se aplicar a nós destroços de um encontro como o poema impossível (não há pontes para os deuses) # como cicatrizar um banho? numa pesquisa etimológica muito atentamente sem espantar nenhuns espantos primeiro aprender como fazer escorregar, o banho ensina se nos (dis)pomos a escavar com afinco as dores e puxá-las com carinho — como a aranha puxa a teia — até as trans porejarmos e esfregando deslizá-las para os longes para o quando depois num instante qualquer lembrar quase mornamente mas do banho sempre resta alguma farpa que não cicatriza # como através de uma brasa —a própria língua — aprender a sangrar uma voz que em sua dança de relance alcance dizer em pânico palavra que valha a pena como pólen de pensamento gozo desajustado lampejo doce delirância # pisca pisca cada bunda de vaga-lume não neurônio nem uma ideia mas sinapse caminho costurar com fios de palavras entrelaçadas o desrumo colar de lampejos # Atores em cena – take 2 fazer o check-in na recepção subir ao quarto com ele ao lado quatrocentos e quarenta quilômetros para estar perto para (Aguarde enquanto o anfitrião autoriza o acesso à sala de vídeo) como se para uma câmera invisível modulando o sorriso primeiro eu de mãos suando em meu monólogo dizer: precisamos conversar com a voz controlada (sempre controlado como se para uma câmera invisível) eu transido transpirando tentando o autocontrole no meio do teatro da minha própria dramaticidade enquanto ele espontâneo em sorrisos calmos que não parecem modulados depois ele enquanto estalo os dedos dizendo tudo bem (não tenho como desligar o microfone) até que nada mais resta a dizer (Fim da videochamada) e não estamos mais à frente nem ao lado como se para uma câmera invisível # Atores em cena - alternative take recepção subir ao quarto ele ao lado quatrocentos e quarenta quilômetros flash na mente: aguarde o anfitrião lhe dará acesso à videochamada câmera sorriso sento-me na cama mãos suando monologo voz controlada (fim) câmera invisível eu todo teatro de solenidade ele leveza câmera lágrimas diz-me você veio até aqui pra isso? penso: é o mínimo fim da videochamada # palavras alucinógeno extraídas de uma prosa de fábio pessanha o que torna a palavra um poema nenhum poeta sabe, mas se arrisca nesse salto por onde o poético adentra sem pedir licença quem quiser que se poeme! o poeta se exerce em plena fuga do que lhe chega aos poros então, só nos é viável escrever de retravés a música é a parte consciente do silêncio o quase é uma constante poeta é aquele que se lança à sua própria incompreensão

lagarta chã
Daí a brisa forte e sadia que vem deste novo livro de Thássio Ferreira, muito felizmente chamado lagarta chã. Algo que responde ao mundo, mas anseia o que não se contenta na resposta – antes convoca, aponta, desdobra.
O que temos aqui é, como nunca deixará de ser necessário, um encantamento múltiplo com o ponto mais chão, a coisa mais chã: das turbinas às lagartas, dos mucos às galáxias, passando pelas casas, as plantas, os poetas, os corpos, as parafernálias que fazem uma vida, muitas vidas.
(Guilherme Gontijo Flores)