Manual para cachoeiras & outros poemas – Revista Aboio

Doir poemas inéditos e dois retirados dos livros "agora (depois)" e "Itinerários", publicados na Revista Aboio com editoria de Leopoldo Cavalcante.

manual para cachoeiras

 

acostumar os pés

palmilhar as pedras

com cuidado

muito cuidado

atentar para aranhas

 

(acima de tudo evitar

escorregar e bater a cabeça:

é muito inconveniente

morrer no rolê)

 

entrar de frente

recebendo a peito

rosto e boca abertos

as águas geladas

e só então te virares:

deixar a correnteza

lavar da tua pele

das tuas mãos

o amor extinto

que trazes ainda

entranhado em

tuas ranhuras

feito sangue seco

 

(nós, que amamos

demais

sempre trazemos

sangue seco

–– além do fresco ––

nas mãos)

 

* publicado no livro agora (depois)

 

 

um poema no antropoceno

 

essas nuvens moles

sobre o mar de outono

(ou (já) será inverno

no calendário em fuga

do antropoceno?)

da cidade que habito

 

querem chover, segundo

deus me disse

(em silêncio)

mas algum segredo

que nem deus conhece

(só o poema

sabe, mas não

me diz)

torna a água em pó

cobrindo as gaivotas

que se esbatem à praia

da cinza malsã

que sangra o tempo

enquanto agoniza

(vai morrendo vai morrendo)

frente ao nosso espanto.

 

mas agora é manhã

(sem que eu tenha contado

quantas madrugadas cabem

nos espaços em branco

que o poema ordena)

 

e o sol do equinócio

(o tempo restaurado)

com sua força estúpida

obstinada

feito sêmen rubro

a fecundar calores

no ventre aflito

dos oceanos

 

vem redimir o mundo

(suas cidades, seus frutos podres

suas guerras tolas, sua mesquinhez

enorme)

por mais um dia.

 

cantemos

cantemos todos!

escapamos de novo

sem juízo ou mérito

(meros parvos

sobre a carne da terra)

da hora fatal

que feito nuvens de sal

a queimar o céu

até o rés do chão

virá um dia

(e nem deus nem eu

nem o poema

sabemos qual)

calar para sempre

as gargantas dos homens.

 

hoje não.

 

* publicado no livro Itinerários

 

 

poemas inéditos:

 

Voyeur

            (para Arthur Scovino)

 

o meu olhar

⠀⠀⠀⠀nu

que olha

 

os olhares

que eles

trocam

tocam

tangem

(tesão)

enquanto

o sol

queima

 

ângulos

volumes

mucosas

que em comum

(no mundano

comum dos dias)

não se olham

 

meu olhar

nu

nu

nu

sem pudores

nem medos

é também

o olhar teu

dele (deles)

do sol e

de deus

(se ele existisse

para além da

pura nudez

do mundo

e dos seres)

 

 

o poema calmo

 

a inquietude réptil

que eclode sem som

de seu ovo invisível

nas horas sísificas

desenhadas a esmo

pelos dedos em lâmina

da madrugada daqui

 

essa inquietude estéril

feita de sede

fome sem nome

e mudez (de gestos)

devora as palavras

a voz os cabelos

os traçados

o sangue

os telhados as mesas

do poema calmo

(frágil

desenhado a flauta)

puro desejo de entrega

sem culpa e sem medo

 

que afinal não escrevo

 

 

— Publicados na Revista Aboio, com editoria de Leopoldo Cavalcante.

Livros

lagarta chã

Daí a brisa forte e sadia que vem deste novo livro de Thássio Ferreira, muito felizmente chamado lagarta chã. Algo que responde ao mundo, mas anseia o que não se contenta na resposta – antes convoca, aponta, desdobra.

O que temos aqui é, como nunca deixará de ser necessário, um encantamento múltiplo com o ponto mais chão, a coisa mais chã: das turbinas às lagartas, dos mucos às galáxias, passando pelas casas, as plantas, os poetas, os corpos, as parafernálias que fazem uma vida, muitas vidas.

(Guilherme Gontijo Flores)

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Nunca estivemos no Kansas

Vinte e dois contos que transitam por diversos cenários, relações humanas e estruturas narrativas, construindo uma cartografia de arestas e descaminhos, desde um idílio qualquer onde nunca estivemos — individual e coletivamente — até o presente e além.

Parte dos contos reunidos angariou prêmios como Off-Flip (2019) e Prêmio Cidade de Manaus (2020), foi finalista do Prêmio Sesc (2017) e publicada em veículos como Jornal Rascunho, Revista Garupa e Vício Velho.

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agora (depois)

Em seu terceiro livro, Thássio Ferreira desnovela a linha do tempo de uma história de amor, de trás para frente, em 52 poemas organizados em duas partes: um “agora (depois)” instalado com a separação; e o “agora” anterior, do início do relacionamento até sua crise. Dividindo esses dois tempos, um retrato em prosa do momento fatal em que o barco se desamarra do cais.

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Itinerários

Itinerários, de Thássio Ferreira, vencedor do I Concurso Literário Editora UFPR, em sua linguagem agradável, técnica refinada no uso de rimas internas e externas, ritmos cadenciados, ecos verbais e temáticos, bem como suas aliterações e assonâncias sutis, promovem uma poesia impactante que envolve e encanta.

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