entrevista: portal ArteCult

Entrevista concedida ao programa AC Encontros Literários. Para ler na íntegra, incluindo contos e poemas inéditos, acesse o Portal ArteCult.

Entrevista concedida ao programa AC Encontros Literários. Para ler na íntegra, incluindo contos e poemas inéditos, acesse o Portal ArteCult.

 

ArteCult: Como a Literatura entrou na sua vida?

Thássio Ferreira: Quando fui alfabetizado, ganhei alguns livros infantis de presente, e um deles, chamado No reino da pata Leca, era todo em versos rimados, e este jogo de linguagem me encantou de imediato — ou seja, meu gosto pela ficção escrita vem desde o momento em que fui capaz de compreendê-la.

 

AC: Especificamente com relação ao ofício de escrever, que procedimentos costuma adotar? Escreve todos os dias? Reescreve muito? Mostra para alguém durante o processo?

TF: Procuro escrever com frequência, mas não me cobro de forma excessiva. A escrita (me) demanda certa disciplina, mas o tempo da criatividade é outro, tem seu próprio tempo. A reescrita, por outro lado, é quase uma obsessão. Não considero meus textos prontos e acabados nem quando são publicados, e posso decidir revisar uns e outros a qualquer momento. Com o tempo, cultivei um círculo de pessoas a quem gosto de mostrar alguns escritos, pedir impressões, dialogar. Acho essa troca riquíssima.

 

AC: No seu caso, de onde vem a inspiração?

TF: De “lugares” muito diversos. Tenho certa inclinação a me sentir mais inspirado em contato com a natureza, e quanto mais íntimo esse contato, distanciado do ritmo da vida cotidiana, mais eu me sinto propenso a ter alguma ideia, mesmo que não venha daquele momento ou ambiente; pode ser a canalização de algo observado antes, um elemento único, ou uma reunião de elementos que eu nunca tivesse organizado mentalmente daquela maneira antes. Essa fagulha, seja quando se acende no instante mesmo em que ocorre, seja quando se (re)materializa num momento posterior, pode vir de praticamente qualquer lugar, de qualquer “coisa”.

 

Itinerários, de 2018. Livro de poemas foi vencedor de concurso literário promovido pela UFPR. Foto: Divulgação.

 

AC: Fale um pouco dos livros que já publicou até hoje.

TF: O mais recente se chama Nunca estivemos no Kansas e reúne 22 contos, alguns premiados (Off-Flip 2019, Prêmio Cidade de Manaus 2020 e finalistas do Prêmio Sesc 2017). Existe uma espinha dorsal de teor político que atravessa o livro, não de forma proselitista, mas sim construindo uma cartografia através de histórias e da linguagem, desde um idílio onde nunca estivemos até os dias presentes e além. Antes deste, publiquei agora (depois), que retrata um relacionamento em 52 poemas, ordenados cronologicamente de trás pra frente, desde a superação após o término até o encantamento inicial. Em 2018, lancei Itinerários, também de poemas, publicado como obra vencedora do concurso literário da Editora UFPR. Nele, a poesia mais pessoal e a de caráter mais coletivo, político, se entrelaçam e desembocam ainda numa terceira vertente mais onírica e voltada para o espanto das potencialidades da própria linguagem e da criação poética. Este livro pode ser baixado gratuitamente no site da editora (https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/63940). Meu primeiro livro, também de poesia, chama-se (DES)NU(DO), que é mesmo uma obra de apresentação, em que me revelo aos outros como artista, como poeta.

(DES)NU(DO) é o livro de estreia de Thássio Ferreira. Foto: Divulgação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

AC: O fantasma da página em branco: mito ou realidade? Isso acontece com você? Em caso afirmativo, como lida com a questão?

TF: Tem um tanto de mito e um tanto de realidade. Para escritores que transitam entre gêneros, como eu, creio ser algo mais raro, ou menos paralisante. Se esbarro numa dificuldade muito grande em escrever determinado texto, posso exercitar-me em outro, muitas vezes sem maiores pretensões, apenas como exercício, como forma de me desenvolver. Ainda, para mim funciona muito revisar escritos já existentes, aprimorá-los, ou recorrer a anotações antigas, fragmentos, ideias guardadas que podem ser usadas num momento de escassez.

 

AC: Um livro marcante. Por quê?

TF: Grande Sertão: veredas, por tantos motivos que é quase clichê e simultaneamente dificílimo enumerar. Pelo trabalho absurdamente intenso com a linguagem, moldada a olhos vistos para ser em si uma experiência estética e comunicacional. Pelo retrato de um Brasil fora do óbvio. Pelas histórias de amor, poder e dúvida que se entrelaçam. Pela ousadia em borrar fronteiras de gênero e sexualidade em plena década de 50 do século XX.

 

AC: Um escritor marcante. Por quê?

TF: Clarice Lispector, a outra gigante da literatura brasileira, também por motivos inumeráveis. Além do apuro na construção narrativa; das metáforas vertiginosamente inusitadas, muitas vezes incrustadas no ambiente mais cotidiano, intensificando seu efeito; da fluidez do texto (não só o tão incensado fluxo de consciência que ela dominava, mas também os diálogos e mesmo os trechos em narrativa mais “clássica”); e da poesia visceral e delicadíssima de tantas passagens recortadas e repetidas até hoje, existe uma sabedoria na obra clariceana que é fenomenal. Há uma história que ilustra isso, não sei onde li: o Rosa uma vez encontrou Clarice e disse que a lia “não para a literatura, mas para a vida”. Clarice é isto: literatura de alta voltagem que ainda por cima nos ilumina a própria a vida.

 

AC: Projetos futuros: o que vem por aí nos próximos meses?

TF: Existem alguns contos em andamento que pretendo terminar este ano e o projeto de um romance ainda não iniciado. Também tenho conversado com uma pequena editora do Rio de Janeiro sobre um novo livro de poemas, mas o foco em 2022 é fazer o Nunca estivemos no Kansasrecém-lançado, chegar a mais leitores. É um livro que dialoga bastante com o tempo presente, e acredito muito na sua força.

Nunca estivemos no Kansas, coletânea de contos, foi lançado em 2022 pela editora Patuá. Foto: Divulgação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

AC: Entre os seguidores do canal de Literatura do Portal ArteCult, muitos são aqueles que escrevem ou que desejam escrever. Que conselho ou dica você poderia dar a eles?

 

TF: Reescrevam, revisem, reescrevam, não tenham pudor ou dó de cortar, mostrem seu trabalho a outros, para que o critiquem e enriqueçam, e estudem. Hoje em dia, há diversos cursos e oficinas muito úteis para expandir nossa visão e nossos modos de escrita.

 

Livros

lagarta chã

Daí a brisa forte e sadia que vem deste novo livro de Thássio Ferreira, muito felizmente chamado lagarta chã. Algo que responde ao mundo, mas anseia o que não se contenta na resposta – antes convoca, aponta, desdobra.

O que temos aqui é, como nunca deixará de ser necessário, um encantamento múltiplo com o ponto mais chão, a coisa mais chã: das turbinas às lagartas, dos mucos às galáxias, passando pelas casas, as plantas, os poetas, os corpos, as parafernálias que fazem uma vida, muitas vidas.

(Guilherme Gontijo Flores)

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Nunca estivemos no Kansas

Vinte e dois contos que transitam por diversos cenários, relações humanas e estruturas narrativas, construindo uma cartografia de arestas e descaminhos, desde um idílio qualquer onde nunca estivemos — individual e coletivamente — até o presente e além.

Parte dos contos reunidos angariou prêmios como Off-Flip (2019) e Prêmio Cidade de Manaus (2020), foi finalista do Prêmio Sesc (2017) e publicada em veículos como Jornal Rascunho, Revista Garupa e Vício Velho.

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agora (depois)

Em seu terceiro livro, Thássio Ferreira desnovela a linha do tempo de uma história de amor, de trás para frente, em 52 poemas organizados em duas partes: um “agora (depois)” instalado com a separação; e o “agora” anterior, do início do relacionamento até sua crise. Dividindo esses dois tempos, um retrato em prosa do momento fatal em que o barco se desamarra do cais.

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Itinerários

Itinerários, de Thássio Ferreira, vencedor do I Concurso Literário Editora UFPR, em sua linguagem agradável, técnica refinada no uso de rimas internas e externas, ritmos cadenciados, ecos verbais e temáticos, bem como suas aliterações e assonâncias sutis, promovem uma poesia impactante que envolve e encanta.

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Mundinho

Mundinho enamorou-se da selva. Apesar dos avisos, dos interditos, das tentativas do Zé Caboclo. Zé, pescador cheio de brios, não queria o filho no rio, nem nos lagos, nas beias, nem dentro da mata. Mundinho era pra contrariar o apelido: ganhar o mundão. Apanhava de cipó pra ir à escola, não era pra ficar de pavulagem com os moleques, pelas ruas de tijolos, nos barrancos do Envira. A mãe obedecia ao marido, ralhando pra ele tomar jeito, estudar, estudar, não fosse virar homem sem ler nem escrever feito ela e o Zé.

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