Dois contos das antigas, sobre amor e quase amor…
Fazia um frio sutil na sala de espetáculos. Um frio que, entre os espaços da música, era como um retinir metálico, um badalar de sinos, só que esférico. A plateia, imersa em breu e silêncio, era toda olhos e ouvidos atentos e pele arrepiada ao toque daquele frio esférico a preencher os hiatos da melodia feito uma contravoz distante, em tom menor. E então.
Mundinho enamorou-se da selva. Apesar dos avisos, dos interditos, das tentativas do Zé Caboclo. Zé, pescador cheio de brios, não queria o filho no rio, nem nos lagos, nas beias, nem dentro da mata. Mundinho era pra contrariar o apelido: ganhar o mundão. Apanhava de cipó pra ir à escola, não era pra ficar de pavulagem com os moleques, pelas ruas de tijolos, nos barrancos do Envira. A mãe obedecia ao marido, ralhando pra ele tomar jeito, estudar, estudar, não fosse virar homem sem ler nem escrever feito ela e o Zé.
Como daquela vez em que eu passava pela rua, ouvi: Cobertor… e virei-me: um homem, em situação de rua, como se diz. Mas segui meu rumo, apesar da toalha e do lençol fino na mochila, voltando de viagem, e doeu, e dói hoje feito uma lama suja sobre a pele queimando ao sol, arrancando alguns micropedaços de mim enquanto racha e se esfarela, porque talvez por medo, preguiça, a insensibilidade que vai se entranhando infecciosamente, ou talvez algum outro não que deveria ter sido um sim, eu segui, sem olhar pra trás nem uma segunda vez aquele homem que certamente doía mais que eu.
Daí a brisa forte e sadia que vem deste novo livro de Thássio Ferreira, muito felizmente chamado lagarta chã. Algo que responde ao mundo, mas anseia o que não se contenta na resposta – antes convoca, aponta, desdobra.
O que temos aqui é, como nunca deixará de ser necessário, um encantamento múltiplo com o ponto mais chão, a coisa mais chã: das turbinas às lagartas, dos mucos às galáxias, passando pelas casas, as plantas, os poetas, os corpos, as parafernálias que fazem uma vida, muitas vidas.
(Guilherme Gontijo Flores)
Vinte e dois contos que transitam por diversos cenários, relações humanas e estruturas narrativas, construindo uma cartografia de arestas e descaminhos, desde um idílio qualquer onde nunca estivemos — individual e coletivamente — até o presente e além.
Parte dos contos reunidos angariou prêmios como Off-Flip (2019) e Prêmio Cidade de Manaus (2020), foi finalista do Prêmio Sesc (2017) e publicada em veículos como Jornal Rascunho, Revista Garupa e Vício Velho.
Em seu terceiro livro, Thássio Ferreira desnovela a linha do tempo de uma história de amor, de trás para frente, em 52 poemas organizados em duas partes: um “agora (depois)” instalado com a separação; e o “agora” anterior, do início do relacionamento até sua crise. Dividindo esses dois tempos, um retrato em prosa do momento fatal em que o barco se desamarra do cais.
Itinerários, de Thássio Ferreira, vencedor do I Concurso Literário Editora UFPR, em sua linguagem agradável, técnica refinada no uso de rimas internas e externas, ritmos cadenciados, ecos verbais e temáticos, bem como suas aliterações e assonâncias sutis, promovem uma poesia impactante que envolve e encanta.
Doir poemas inéditos e dois retirados dos livros “agora (depois)” e “Itinerários”, publicados na Revista Aboio com editoria de Leopoldo Cavalcante.
Sempre tive um forte apego por compreender. O que em literatura, e talvez especialmente em poesia, é um obstáculo a ser vencido.
Baratas (ou Prenúncios da Peste): No duodécimo dia, vieram as baratas.
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